28 de novembro de 2011

Era Capitu inocente?

Depois de um mês de silêncio, vem aí o esporro. Muita coisa aconteceu na minha vida pessoal e por isso deixei de escrever. Para quem me acompanha, nenhuma novidade. O blog é assim mesmo. Escrevo quando posso, quero ou quando dá mesmo.

A postagem de hoje foi tirado do blog Cultura Loser & Filosofia Barata de autoria de @cynaramenezes Diz ela que tem uma tese nova sobre o triângulo amoroso formado por Machado de Assis em Dom Casmurro. A famosa Capitu que divide opiniões sobre sua fidelidade dá espaço para Bentinho, o marido assumir um papel chave na trama. Acompanhe.

Até tu, Bentinho?



Este mês voltei a ser colunista da Vip. Pra quem não leu na revista, aí está o primeiro texto... (Só pra esclarecer, Fabio Hernandez é outro colunista, que tinha dito serem Capitu e Anna Karenina as adúlteras mais famosas da literatura. Discordei - quanto a Capitu, claro.)
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Até tu, Bentinho?

Oblíqua? Dissimulada? Pois não era bem Capitu quem tinha algo a esconder...

Conheci Fabio Hernandez enquanto bebericávamos ao balcão do café Moderno, na Plaza de las Comendadoras, em Madri. Eu, um vermute com soda; ele, refrescando a saudade de sua Cuba natal, um mojito. Lá se vão dez anos! Só mais tarde Fabio viria para o Brasil, conquistar fêmeas, fama e fortuna (nessa ordem). É essa longa amizade que me dá a liberdade para discordar de sua coluna do mês passado: não, meu caro. Capitu, ao contrário de Anna Karenina, não traiu. Afirmo com a solidariedade de mulher fiel. E com a intuição de haver lido em Dom Casmurro, de Machado de Assis, o relato de uma tremenda injustiça. Quem nunca sofreu alguma?

O bom julgador por si julga os outros, diz o adágio talvez tão antigo quanto o bruxo do Cosme Velho. Vejam bem: Capitu nunca confessou nada. Bentinho, o marido, é quem confessa a certa altura um tesão irrefreável por Sancha, a mulher de Escobar, pretenso rival. Troca de olhares, toques furtivos causando sensações carnais que a razão e a fraternidade desconhecem. “Um fluido particular me correu todo o corpo”, descreve, para deixar escapar em seguida: “Deliciosíssima!”

Sancha e Capitu, íntimas, se tratavam de irmãs. Eram, portanto, cunhadas de Bentinho e Escobar, respectivamente. Ah, a cunhada... Que mulher pode ser mais proibida a um homem e mais secretamente desejada? É possível, diria até normal, que Escobar tenha sentido o mesmo por Capitu e que tenha sido tão correspondido quanto o foi Bentinho por Sancha naqueles momentos fugazes – que, aliás, precederam a morte de Escobar. Bentinho, fustigado pela culpa de ter desejado a mulher do amigo morto, fantasiou sua particular história de traição.

Eu prefiro outra. Foi o psicanalista Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, à luz de Freud, quem cravou: Bentinho não sentia atração por Sancha e nem mesmo por Capitu; seu objeto de desejo era Escobar. O homoerotismo do romance de Machado é latente em diversas passagens do livro. Fiquem com esta: ameaçada pela censura dos padres no seminário (“estimem-se com moderação”, advertem os de batina), a amizade dos jovens é reforçada por Bentinho. “Fiquemos mais amigos que até aqui”, propõe. Escobar, então, aperta suas mãos às escondidas, com tal força que lhe doem os dedos... A própria Capitu, ao conhecer o amigo do futuro marido, demonstra ciúmes das despedidas rasgadas e afetuosas entre os dois. Adjetivos de Machado.



Mórbida semelhança

Bentinho é homem fraco, submisso à mãe e criado na companhia de solitários. Sua morada é conhecida como a “casa dos três viúvos”: matriarca, tio e prima. Além deles, vive aí um agregado da família, José Dias, sujeito um tanto afeminado que cunha a célebre expressão “cigana oblíqua e dissimulada” para definir o olhar de Capitu ao tempo em que cobre o rapazola de elogios. Bentinho (prato cheio para o pai da psicanálise, sem dúvida) é mimado, paranóico e ciumento ao extremo. Casado com Capitu, tem ciúmes dos braços formosos da mulher e até da maneira como ela admira o mar!

Filho único, foi alfabetizado em casa, por um sacerdote. Na missa, a mãe ordenava: “Não tire os olhos do padre!” Que espécie de sexualidade uma pessoa com tal infância pode desenvolver? Prometido à igreja desde o berço, Bentinho só se livra de tornar-se padre graças à intervenção da apaixonada Capitu, já que não ousa desafiar a mãe. Provas de amor, por parte dela, nunca lhe faltaram. De namorados, a menina vivia a sonhar que subiam juntos ao Corcovado pelo ar, que dançavam na Lua... Após as núpcias, o carinho e as atenções só fazem redobrar.

Bentinho, por seu lado, ostenta a única “prova” da infidelidade de tão dedicada esposa na suposta semelhança entre o filho e Escobar – apontada com surpresa pela própria Capitu. Que mulher adúltera o faria? Machado, mestre da narrativa, confunde o leitor: capítulos antes de Bentinho concluir pela fatal parecença, um diálogo mostra que também Capitu se parecia à mãe de Sancha. Por pura casualidade, pois inexiste parentesco. “Na vida há dessas semelhanças esquisitas...”, diz o pai da moça.

Pobre Capitu, despachada ao exílio sem o menor benefício da dúvida, onde vai morrer sozinha com o filho enjeitado e suplicando por visitas do marido. O que tortura Bentinho? Imaginá-la nos braços de Escobar? Não. Tortura-o o fato de o menino, depois homem, recordá-lo o tempo inteiro o amigo querido, perdido para a morte e para sempre. Tortura-o saber que não poderá mais abraçar Escobar, contemplá-lo “com os olhos fugidios a comerem-no”... Tortura-o a saudade da paixão impossível.
Sim, amigo Fabio, sinto desapontá-lo. Capitu não era adúltera. Bentinho é que era gay.





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